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Entrevista exclusiva com o conselheiro de Samambaia, Adjanio

“Caso do menino Rhuan foi o mais difícil que acompanhamos”: entrevistei o conselheiro tutelar de Samambaia, Adjanio Santos, sobre trabalho do órgão na cidade.

Em seu segundo mandato como conselheiro, Adjanio conta os desafios e processos do Conselho Tutelar em Samambaia.

Criados em 1990 com publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os conselhos tutelares são órgãos permanentes, autônomos e não juridiscionais, com atuação integrante da administração pública local.

A função que os conselhos tutelares desempenham na sociedade é estratégica: zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Eles agem a partir do descumprimento, violações ou ameaças desses direitos pela sociedade, Estado ou pais/responsáveis.

O conselheiro tutelar Adjanio Santos já está em seu segundo mandato em Samambaia e compartilhou sua experiência nesses anos exercendo o cargo. Em seus relatos fica notório que o trabalho de um conselheiro lida sempre com questões muito sensíveis, tornando uma atuação extremamente humanizada.

A entrevista

Em Samambaia: De início, nos conte sobre como funciona o trabalho no Conselho para conhecermos melhor a respeito

Adjanio: O Conselho Tutelar é um órgão autônomo, não jurisdicional, encarregado de zelar pelos direitos da criança e do adolescente, pela comunidade. Por isso ele é um processo de escolha. Ele funciona todos os dias, de segunda a sexta, das 08h às 18h. Cada dia temos um plantonista e, após as 18h, ele funciona mediante plantão, em casos de emergências. Nós atendemos muitas famílias em situação de vulnerabilidade onde nos compete atuar em toda situação envolvendo criança ou adolescente que tenha violação de direitos.

Em Samambaia: O Conselho Tutelar atua de forma autônoma mas possui ligação com outras instituições?

Adjanio: Nós conselheiros tutelares requisitamos serviço público para órgãos como o Creas, Cras, Vila Olímpica, entre outros. A gente solicita também bastante acompanhamento psicológico a órgãos como o CAPSi do Recanto das Emas, HRT e as próprias UBSs aqui na cidade, por exemplo.

Em Samambaia: Como funciona a atuação do Conselho quando é necessário a intervenção nos casos?

Adjanio: Após detectarmos que há uma criança em situação de vulnerabilidade, nós temos a prerrogativa de trabalhar a família, orientando e aconselhando para fazer com que se tenha condições necessárias, podendo assim preservar os direitos inerentes à pessoa humana.

Em Samambaia: E como vocês conseguem identificar as famílias e casos que precisam dessa orientação e preservação?

Adjanio: O Conselho Tutelar é um órgão que precisa ser provocado. O que isso quer dizer: as entidades de ensino e unidades de saúde comunicam (conforme o artigo 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente) demandas envolvendo violação de direito das crianças como maus tratos e negligências do responsável legal. Os órgãos públicos têm a obrigatoriedade de comunicar, pois se eles não fizerem chegar ao conhecimento, nós podemos aplicar multa no órgão que identificou violação de direito e não comunicou devidamente. Isso é um dever de todo órgão do Estado.

Em Samambaia: Nos conte também sobre sua trajetória como conselheiro. Como você ingressou nesta jornada desafiadora?

Adjanio: Eu moro em Samambaia desde 1989, bem no início, onde tive o sonho de fazer algo em prol da cidade. Mesmo quando não atuava como conselheiro tutelar eu me envolvia, dava aula de cunho social em instituições, sou envolvido com movimentos habitacionais, trabalhei na Câmara Legislativa e aí surgiu a oportunidade para me candidatar ao Conselho, colocando meu nome para o processo de escolha. Fui eleito pela primeira vez e hoje já estou no meu segundo mandato como conselheiro tutelar.

Em Samambaia: E como é pra você atuar em um trabalho tão importante para cidade e ao mesmo tempo tão sensível?

Adjanio: É um trabalho muito árduo e difícil em que desenvolvemos junto da comunidade e às vezes temos que tomar decisões que desagradam algumas famílias, inclusive sofremos ameaças de todo tipo. Mas também é muito gratificante quando acompanhamos uma família desestruturada e as nossas ações resultam em regeneração e ela passa a ser estruturada. Aí é onde percebo que meu trabalho realmente valeu a pena. O Conselho Tutelar é um órgão que não tem orçamento e só tem problema, e aí cabe nos cabe buscar parcerias com a rede de proteção para poder atender da melhor maneira possível essas famílias e que elas passem a ter autonomia para cuidar dos seus entes.

Em Samambaia: E nessa sua jornada, tem alguma história pessoal bacana para contar que te deu essa sensação de gratidão?

Adjanio: Tenho sim. Eu acompanhei um adolescente, onde fui fazer uma visita e diligência até o local e ele estava acorrentado, no qual a mãe, em ato de desespero, acorrentou o filho por causa do uso de crack. Aí eu consegui uma internação para ele em uma clínica na Ceilândia que faz um trabalho social também e, em momento posterior, depois de 3 anos, encontrei esse adolescente já com um filho no colo aqui em Samambaia. Quando ele me viu, me abraçou, começou a chorar, verbalizando que salvei a vida dele. Isso foi muito gratificante. Ver a situação que encontrei ele, acorrentado por conta da droga e depois que tomamos ação encontrar ele bem, construindo a própria família, com filho, percebe-se que nosso trabalho realmente tem um diferencial muito grande e compreendo que ser conselheiro é uma missão árdua que salva vidas.

Em Samambaia: O que te inspirou a ser conselheiro tutelar?

Adjanio: O que me inspirou foi fazer um trabalho diferenciado, porque eu via muitas crianças e adolescentes aqui na Samambaia sem oportunidades e muitas vezes sendo negligenciadas, de forma brutal até. Isso é lamentável, eu mesmo fui fruto disso, os métodos de correção para com minha pessoa eram mangueira, pau, meus pais me batiam muito, se tivesse conselho tutelar na época eles estavam presos até hoje (risos). Para evitar que esse tipo de coisa aconteça, me coloquei nessa situação de ser conselheiro e procurar extinguir esse tipo de castigo. Hoje inclusive temos várias leis que inibem esse tipo de metodologia. A mais atual é a Lei Henry Borel, que torna métodos de correção assim em crime hediondo.

Em Samambaia: Existem casos muito brutais e chocantes que vocês lidam?

Adjanio: Nós acompanhamos o caso do menino Rhuan, no qual a mãe e sua companheira matou e esquartejou o menino, e a gente teve que acompanhar a outra criança, pois ela criou aversão a homem e o pai veio doar ela. Foi um crime que você vê a maldade humana de uma maneira tão perversa que a gente nem imagina que existe tanta crueldade.

Em Samambaia: Você trouxe relatos fortes e emocionantes. Entre boas e más colheitas, o que gostaria de compartilhar?

Adjanio: As más colheitas é quando requisitamos serviço público e o Estado não atende com a rapidez que deveria. Por exemplo: a gente faz uma requisição de serviço para o Cras quando constatamos que a família está em situação de vulnerabilidade alimentar, há uma morosidade de atendimento. Do ponto de vista positivo é quando conseguimos ajudar a família a se estabelecer, a gente encaminha adolescente para estágio, isso tira-o de situação de vulnerabilidade e também o ocupa e afasta de um possível envolvimento com o crime. Esses resultados sempre são gratificantes. Mas também existem casos que devemos intervir na família e retirar a criança dos maus tratos para preservar sua integridade física e emocional e colocamos ela em uma família substituta, que pode dar o suporte necessário. A família dessa criança fica muito insatisfeita e muitas vezes até nos ameaça de morte. Uma linha bem tênue entre boa e má colheita.

Em Samambaia: Quer deixar contato e indicação para quem precisa do apoio de vocês?

Adjanio: Quem precisar pode procurar o Conselho presencial ou entrar em contato no (61) 2244-1534. Após as 18h no 125, opção 1.

Em Samambaia: Muito obrigado, Adjanio. Para encerrar, qual o último recado em nome do Conselho sobre algo imprescindível para o trabalho de vocês para as pessoas conhecerem mais também a respeito sobre o âmbito?

Adjanio: Acho que é bom frisar que o Governo do Distrito Federal deveria articular melhor a relação entre Conselho Tutelar e as entidades para agilizar o atendimento das famílias que acompanhamos. Pois quando nos procuram é porque realmente a pessoa está em desespero. Em outubro tem processo seletivo, quem estiver buscando colocar o nome para o processo de escolha e ter a visão de que o Conselho Tutelar é um emprego, desiste. Porque é uma missão das mais árduas possíveis, e a comunidade só ganha com quem tem comprometimento com a causa da criança e do adolescente.

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